segunda-feira, 9 de junho de 2008

Especial da Gazeta Esportiva - Ari e Pelé - 1958

Especial da GazetaEsportiva.net

Montagem sobre foto de  Djalma Vassão/Gazeta Press

Por Paulo Amaral

Fotos Fernando Pilatos / Gazeta Press
Ari Clemente em dois momentos: acima, rindo em 2008; abaixo, com a bola nos pés, em partida do Timão contra o Comercial, no Paulistão de 1958

Jeito simples, fala mansa e muita tranqüilidade. Essas são características atuais de um ex-lateral-esquerdo que carrega consigo há 50 anos o estigma de ser o homem que quase deixou Pelé de fora da Copa do Mundo da Suécia, a primeira vencida pelo futebol brasileiro e a primeira do então “menino-prodígio”, Edson Arantes do Nascimento.

No ano do cinqüentenário da primeira conquista canarinho, Ari Clemente recebeu a reportagem da Gazeta Esportiva.Net em sua residência, na zona norte da capital paulista. Cercado pela esposa, Elenita, com quem divide alegrias e tristezas há 44 anos, pelos três filhos e pelos seis netos - o mais novo deles já devidamente fardado com a camisa do Timão -, o ex-lateral-esquerdo do Corinthians reativou a memória para falar da fatídica jogada em que se envolveu com o “Rei”.

O incidente ocorreu no dia 21 de maio de 1958, uma quarta-feira chuvosa e fria, no estádio do Pacaembu. Dias antes de viajar para a Europa, a seleção brasileira encarou um amistoso contra o Corinthians. Venceu por 5 a 0, mas, por pouco, não perdeu aquele que viria a se transformar no grande nome da conquista na Suécia.

“Tem muita gente que ouviu dizer, mas não viu o lance. Não foi maldade. Até hoje estou com minha consciência tranqüila. Conversei com o Pelé e ele sabe que não foi por mal, tanto que, no lance, eu saí jogando e a bola só parou quando voltou ao ataque do Santos”, lembrou Ari. “O campo estava deslizando. O Pepe bateu a falta com força e o Pelé quis pegar de primeira. Fui cobrir e coloquei a perna, aí o Pelé chutou a trava da minha chuteira. Eu nem vi”, completou, com riqueza de detalhes.

Clemente não carregou para fora dos campos qualquer tipo de ligação com Pelé, mas garante que não foi o lance do amistoso que impediu uma aproximação maior com o Atleta do Século. “O Pelé é um grande empresário e, às vezes, não tem tempo nem para a imprensa”, argumentou, admitindo, na seqüência, que respirou aliviado ao ver que o garoto foi confirmado na delegação brasileira que foi à Suécia, mesmo contundido.

“A seleção que saiu daqui para ser titular foi mudada inteirinha, principalmente o ataque. Levaram 24 jogadores para a Copa, incluindo o Pelé, machucado. Sei que ele não participou dos primeiros jogos, mas, graças a Deus conseguiram levá-lo e deu tudo certo.”

O ex-jogador assegurou também que não sofreu qualquer prejuízo por conta da jogada e que só guarda boas recordações dos tempos em que habitava o mundo da bola. “O futebol me abriu as portas e me deu tudo o que tenho. Não é muito, mas dá para viver com minha família, que é o mais importante para mim”.

Nesta entrevista exclusiva, o ex-lateral-esquerdo conta mais detalhes de sua curta carreira (durou apenas 13 anos), joga por terra a lenda sobre uma possível “praga” de Pelé para que o Corinthians não ganhasse títulos enquanto ele estivesse na ativa, fala sobre o comportamento do “Rei” em campo, do momento atual do Timão e, claro, de sua atual paixão: a família.

Gazeta Esportiva.Net – Quais as lembranças que o senhor guarda da Copa do Mundo de 1958?
Ari Clemente - Só guardo alegrias. Eu estava em início de carreira. A gente vibrou demais, pois já tinha perdido a Copa de 50 (para o Uruguai, no Maracanã). O pessoal fala da seleção que jogou a Copa de 1982, mas a de 58 foi uma maravilha.

GE.Net – Dá para guardar alegrias mesmo sendo taxado como o homem que quase tirou o menino Pelé da Copa?
Ari Clemente - Tem muita gente que ouviu dizer, mas não viu o lance. Não foi maldade. Até hoje estou com minha consciência tranqüila. Conversei com o Pelé e ele sabe que não foi por mal, tanto que, no lance, eu saí jogando e a bola só parou quando voltou ao ataque do Santos.

Fotos Fernando Pilatos / Gazeta Press
O lateral do Timão passou pelos anos de jejum
Só conseguiu um título em 1966 pelo Bangu
O mais novo de seus seis netos já é corintiano
Com a família no bairro do Imirim, em São Paulo

GE.Net – Mas como foi o lance? O que aconteceu realmente?
Ari Clemente - O campo estava deslizando por causa da chuva. O Pepe bateu a falta com força e o Pelé quis atravessar para bater de primeira. Fui cobrir o meio e coloquei a perna, aí o Pelé chutou a trava da minha chuteira. Eu nem vi o que tinha acontecido.

GE.Net – Ser lembrado durante 50 anos por causa dessa jogada específica é algo que o magoa?
Ari Clemente – Não, pois isso sempre ficou mais por conta da imprensa. Eu resolvi o assunto com o Pelé e cada um continuou com sua carreira. De vez em quando, alguém mais jovem lembra e fala que “o Ari quebrou o Pelé”, mas nunca tive qualquer problema por conta disso não.

GE.Net – Mas chegou a temer pela não participação do Pelé na Copa? Acompanhou mais atentamente a seleção por causa disso?
Ari Clemente - A seleção que saiu daqui para ser titular foi mudada inteirinha, principalmente o ataque. Levaram 24 jogadores, incluindo o Pelé, machucado. Sei que ele não participou dos primeiros jogos, mas, graças a Deus conseguiram levá-lo e deu tudo certo.

GE.Net – Como é seu relacionamento atual com o “Rei”?
Ari Clemente - O Pelé é empresário, não tem tempo nem para a imprensa direito. Tive oportunidade de falar com ele na época em que jogava, depois não mais, até porque nunca gostei muito de ir para Santos.

GE.Net – Reza a lenda que, depois de ser atingido, o Pelé teria falado para o senhor que o Corinthians jamais ganharia um título enquanto ele jogasse pelo Santos, algo que realmente se concretizou. O que há de verdade nisso?
Ari Clemente – Só o tabu, pois eu nunca ganhei do Pelé enquanto joguei. Essa história não passa de lenda mesmo. O Pelé nunca falou isso para mim ou para ninguém. Havia respeito entre os jogadores.

GE.Net – Mas ele era do tipo provocador dentro de campo, não era? Dava cutucões, pancadinhas sem bola...
Ari Clemente - Ele não era bobo, claro, mas nunca tivemos problemas. Ele era caçado e não era bobo. Se alguém ia pra quebrar, ele ficava esperto, mas o Pelé procurava jogar futebol. Apenas isso.

GE.Net – E a história de que ele quase foi contratado para ser seu companheiro de Corinthians? O que o senhor lembra sobre esse assunto?
Ari Clemente – Isso, se aconteceu, ficou mais entre os dirigentes, nos bastidores. Mas é claro que eu queria que o Pelé tivesse jogado conosco. Com ele ao lado, o bicho estaria sempre garantido (risos).

GE.Net – Pelé à parte, o senhor também teve uma experiência na seleção, em um amistoso contra o Paraguai. Por que não teve seqüência?
Ari Clemente - Joguei apenas uma partida, em 1961, na comemoração do terceiro aniversário da Copa de 1958. Era um combinado Palmeiras e Flamengo. Eu era do Corinthians, mas fui convocado, pois o Geraldo Scotto, do Palmeiras, se machucou. Tinha muita gente boa na época e, como estourei a virilha, acabei não voltando mais.

GE.Net – Depois de sair do Corinthians, como foi o andamento de sua carreira?
Ari Clemente –
Fui jogar no Bangu e conquistamos o Carioca de 1966, em um Maracanã lotado. Encerrei minha carreira no Saad, de São Caetano, cinco anos mais tarde.

GE.Net – E o que fez depois de pendurar as chuteiras: desistiu do futebol?
Ari Clemente – Trago algumas amizades, como o Aladim, que sempre me visita quando está em São Paulo, mas sou uma pessoa mais caseira e não gosto de ir ao campo ou ao Parque São Jorge. Virei bancário. Trabalhei 22 anos no banco Safra, primeiro como recepcionista e depois como segurança do senhor Ezequiel Nasser. Agora estou aposentado, curtindo minha família, cuidando da minha esposa, que sempre segurou as pontas. Tenho que dar esse presente para ela até o fim da minha vida e vou dar.

GE.Net – Para finalizar: como o senhor analisa o atual time do Corinthians? Dá para ganhar a Copa do Brasil?
Ari Clemente – Sem dúvida. Com esse time nós estamos vibrando. Esse é o Corinthians de antigamente. Está maravilhoso. Pode até perder às vezes, mas perde correndo, lutando. Estou adorando mesmo e acredito que, quarta-feira, vamos conquistar mais um título.

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