quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Coluna do Sócrates na Carta Capital

Coração corinthiano

por Sócrates

Nos momentos mais difíceis é que o torcedor do Timão se supera em amores pelo clube. Resta saber se a expectativa da volta à Primeira Divisão se tornará realidade em 2008

Sócrates

Seu Zeca é um velho conhecido, desde os meus primeiros dias de Parque São Jorge. Há quase 30 anos, quando ali chegava para o passo mais importante da minha vida e ainda assustado com a imensidão da capital e do Corinthians, ele me procurou um dia para dar conselhos.

Já com seus 40 anos, muito bem vividos, disse: “Garoto, isto aqui é a minha vida. É onde choro, sorrio, tenho esperança e posso ter desejos. É o que me dá alegria de continuar vivo. Eu saí do sul da Bahia há muito tempo, deixando para trás meus pais e irmãos e carregando a responsabilidade de uma família já numerosa. Enfrentei toda sorte de dificuldades, mas consegui realizar meu maior sonho, que era o de encaminhar meus filhos, nenhum deles doutor como você, mas todos trabalhadores e honestos, como todo bom pai gostaria”.

E acrescentou: “Agora, minha vida é este time, esta religião. Aqui você terá carinho quando te sentir angustiado e carente, basta que você honre esta camisa. Ela não representa apenas um clube de futebol, e sim uma posição, uma voz, uma forma de expressão para quem nunca se sentiu protegido pelo mundo e é aqui que encontramos as nossas respostas”.

Isto me acompanhou por um bom tempo, até que pudesse entender a profundidade de suas palavras e a responsabilidade com que deveria empunhar aquela bandeira. E foi exatamente aí que pude encontrar o caminho da minha história. A partir daquelas palavras, pude dissecar as várias camadas de minha personalidade para, enfim, descobrir como conviver com esse turbilhão chamado Corinthians.

Hoje, ao refletir sobre a atual realidade do clube, tentei imaginar como Seu Zeca estará se sentindo depois da queda para a Segunda Divisão. Conhecendo-o como o conheço, é bem possível que tenha sido um choque.

Muito provavelmente mexeu com seus mais profundos sentimentos. Mas sua reação, como a de quase todos os torcedores do Timão, sempre foi a de enfrentar cada novo desafio com grandeza e coragem para reconquistar o espaço perdido. No dia seguinte à tragédia, e apesar da idade avançada, ele deve ter desfilado por toda a cidade com a sua surrada camisa alvinegra, a demonstrar todo o orgulho que sente por estas cores.

Entender o coração de um corintiano não é tarefa das mais fáceis para quem nunca viveu uma paixão futebolística, principalmente nessas ocasiões inesperadas, nas quais a dor se manifesta com tal profundidade.

Talvez até numa intensidade jamais sentida. Por isso, resolvi procurá-lo, para quantificar exatamente a dramaticidade do fato.

Lembrei-me daquelas palavras carinhosas do nosso primeiro encontro, de sua inteligência simples e clarividente. Sabia que ele teria muito a dizer sobre o que sentira no fim do campeonato e o que sente agora.

Ensaiei sobre a forma que deveria dar às minhas palavras, buscando ao mesmo tempo torná-las atraentes e acessíveis. Sem encontrá-lo no local de costume, soube que foi visitar parentes em Ilhéus, terra de Jorge Amado, que há muito ele não via.

Localizei-o por meio de vários amigos que lá tenho e, passada a sua surpresa, disse-me: “Tenho te acompanhado de longe e aprecio os seus escritos. Nem sempre são fáceis de entender, mas são sábios. Continue fazendo como sempre, só não critique muito meu time se ele jogar mal”.
Mais uma vez ele me deixou pensativo, ruminando seu jeito de ver a vida e as colocações sempre diretas e plenas de convicção.

Disse-me também que, apesar do golpe, estava animado com as perspectivas para este ano, ainda que o time não esteja propriamente pronto para ultrapassar todos os obstáculos que terá pela frente. Num repente intuitivo, perguntei como será a resposta da torcida e como ela deverá participar.

Sem pestanejar, ele respondeu que todos acompanharão, em 2008, uma gigantesca corrente que se transformará com o tempo, numa grande romaria corintiana para empurrar a equipe de volta para a Primeira Divisão.
É exatamente o que eu havia imaginado que aconteceria. Nos momentos mais difíceis é que o corintiano se supera em amores pelo seu time. Resta saber se a expectativa existente se transformará em realidade.
Seu Zeca certamente estará por perto, rezando para que isso aconteça.

Nenhum comentário: